15 de setembro de 2008

Ensaio para Enxergar



Após a cena final percebo que apenas metade da sala se levantara
. Quando as luzes se acendem olho para o meu lado direito na distância de umas 6 poltronas,, um rapaz com seus vinte e poucos anos com os braços apoiados na poltrona da frente olha para o infinito, onde deveria estar seus pensamentos. Assim como eu, que demorei alguns minutos para soltar uma palavra sobre qualquer coisa para minha namorada que estava visivelmente emocionada. Meu irmão, que assistiu o filme em outro cinema, me disse que a maioria das pessoas esperou os créditos terminarem para se retirarem da sala, coisa que faço em quase todos os filmes e sei que pouca gente tem esse costume.

"Ensaio sobre a cegueira" não é um filme que agradará a todos, mas, a poética impactante não permite que ninguém saia do cinema da mesma maneira que entrou. Meirelles, orgulho nacional, novamente mostra que é um dos melhores diretores da atualidade, ao lado de Tarantino,
Guillermo del Toro (Labirinto do Fauno), Guy Ritchie (Snatch - Porcos e Diamantes), entre outros. Com maestria ele traz para as telas a adaptação quase perfeita do livro homônimo de José Saramago, ganhador do prêmio Nobel de literatura.

Na metáfora criada por Saramago, uma estranha epidemia de cegueira branca toma conta de um país. A fotografia de
César Charlone traz esse branco para a trama de uma forma impressionante. Os tons pálidos das cenas enriquecem a película, e ajudam a ambientar a agonia que a história transmite. Ainda tecnicamente falando, o som está em todos os detalhes numa ligação direta com os cegos que devido tantas dificuldades, acabam apurando outros sentindos. A riqueza de sons em várias camadas e muito bem distribuídos, intensifica as sensações para o espectador. A emoção do filme é tão forte que a trilha passa suave e quase despercebida, pois a própria história já é suficientemente intensa e tocante.

Os aplausos para Meirelles continuam pelas dificuldades que a adaptação para outra linguagem têm. Após o final você saberia dizer qual o nome da personagem de Juliane Moore? Ou do médico interpretado por Mark Buffalo? A mulher de óculos (Alice Braga), o homem com o tapa olho (Dany Glover) ou o líder dos cegos da Ala 3 (Gael Garcia Bernal)? Também tenho certeza que ninguém lembrará, pois Saramago não dá nome ao país, nem a cidade e a nenhum personagem.


Juliane Moore, que faz o papel da mulher do médico, a única que não fica cega, é o pivô principal de toda a trama. Como em toda epidemia, os primeiros infectados são isolados num antigo sanatório, divido em alas. O medo de contágio transforma o isolamento em uma campo de concentração de cegos, onde o seres humanos acabam por vivenciar o limite da civilidade. Imagine pessoas que acabaram de ficar cegas, soltas a deriva num lugar desconhecido sem ninguém que enxergue para ajudar, pois bem, Saramago imaginou e Meirelles mostrou a que níveis o ser humano pode descer.


Mas, todo o incômodo dos fatos lamentáveis que ocorrem, - e confesso que na cena mais forte do filme me senti emocionado com um belo nó na garganta -, não dimensiona a metáfora que "Ensaio" possui e por isso, merece várias análises. Impressiona a riqueza interpretativa e as várias leituras possíveis que os fatos mostrados podem ter. Todos os personagens exercem funções distintas e por isso podem ser analisados separadamente.


"Ensaio" pode até não levar nenhum oscar, ou mesmo ser um fracasso de público, mas, a intensidade dessa obra para o espectador mais atento sempre receberá os status de direito. E na seqüência final, onde novamente fiquei emocionado, a assinatura escrita a quatro mãos por Meirelles e Saramago mostra que vivemos cegos para a vida, e que a epidemia branca é muito mais real do que imaginamos.


Gostinho especial
O tempero para os brasileiros e principalmente para os paulistanos é ver que a cidade de São Paulo foi utilizada como cenário, e pela primeira vez incorporou um "personagem" em um filme com alcance mundial, apesar de não representar São Paulo, mas sim a cidade imaginada por Saramago e criada por Meirelles. Já vimos Nova York, Los Angeles, Paris, Londres e agora a nossa cidade mostra que pode ser um palco cinematográfico digno de grandes produções.

J. Barish

A declaração emocionada de Saramago para Fernando Meirelles,
nem precisa de comentários!








11 de setembro de 2008

Uma Promessa Fora do Tom


A produção do cinema nacional está crescendo anualmente, e isso é refletido no aumento da infra-estrutura e no aprimoramento técnico, além de uma diversidade de títulos que abrangem tantos filmes ótimos e de qualidade, que acabam até ganhando grandes prêmios internacionais, quanto filmes pobres tecnicamente ou excessivamente comerciais.

"Os Desafinados" do diretor Walter Lima Jr. é o caso de aplausos em questões técnicas como fotografia e figurino, mas uma enorme decepção quando observamos a sinopse e deparamos com um filme que soa "fora do tom" o tempo inteiro e tem um "cheiro" excessivamente "global". Nada mais perfeito do que lançar um filme que possui a Bossa Nova como tema, quando esse ritmo genuinamente brasileiro, completa 50 anos.

Quatro amigos músicos, Rodrigo Santoro (Joaquim), Ângelo Paes Leme (Davi), André Moraes (PC) e Jair Oliveira (Geraldo) juntam-se ao amigo Selton Mello (Dico), cineasta , e vão tentar o sucesso tocando Bossa Nova em Nova York. Até aí a história promete muita música de qualidade e uma história envolvente, principalmente pela entrada de Cláudia Abreu (Glória) como um suposta voz para esse grupo. Além disso, ela forma um triângulo amoroso com Joaquim e Alessandra Negrini (Luíza), esta última por sinal, nas poucas aparições, demonstra muita competência e destoa do resto da produção.

Usei a palavra promete, porque o filme fica apenas na promessa e se arrasta durante cansativos 131 minutos sem que um solo empolgue o pobre espectador, e pior, Cláudia Abreu decepciona, sua personagem deveria fazer a história tremer, mas, o que treme é a paciência do espectador a cada cena que sempre fica na promessa mas nada acontece. E o fato que chega a irritar em sua personagem é a dublagem feita nas cenas onde ela canta. A voz da cantora/dubladora é totalmente diferente da atriz, além de não ter nada de especial.

Um bom exemplo das "promessas" não cumpridas é a cena em que um dos personagens chega em casa e surpreendentemente não há ninguém, ele sai novamente com "a pulga atrás na orelha",
e mais tarde, quando encontra a pessoa que deveria estar em casa, a mesma explica sua ausência com algo tão simples que parece absurdo (isso deixa no ar a promessa de um pequeno mistério, que infelizmente não existe), o que demonstra que no mínimo 10 arrastados e desnecessários minutos do filme poderiam ter sido poupados.

A maior promessa da trama do filme, infelizmente tenho que contar por ser um absurdo, é o fato de no início ser anunciado que o grupo teria feito sucesso no Brasil na sua época, e incrivelmente o único momento que esse sucesso aparece, com direito a fãs batendo no vidro do carro, é em um show na Argentina!?

Além de desafinado, o filme tem inúmeras cenas que se prolongam, fora do tempo de corte
e é cansativo como esperar um show de João Gilberto. As raras sequências que empolgam, parte pelo bom humor, ou pela competência do elenco, infelizmente não conseguem salvar o roteiro fraco, a montagem arrastada e o desfecho, que acaba sendo a única promessa, infelizmente muito previsível, totalmente cumprida.

por J. Barish

O trailer traz praticamente todas as partes que empolgam no filme,
assista-o e espere o filme sair na Globo pra ver. Sai mais barato.